o verão e punta del este

O balneário mais famoso da América do Sul não é para amadores. Tive essa sensação logo ao desembarcar do ônibus que me deixou praticamente no coração da Playa Brava e sua principal atração, La Mano. Era fim de tarde e eu estava cansada, mas aguentei firme e, de mochila nas costas, atravessei o caminho não muito movimentado que me deixou frente a frente com a obra de Mario Irarrázabal.

Na beira da praia, finalmente a alta temporada disse a que veio e muitas pessoas por todos os lados completavam o cenário. Pensar Punta del Este é pensar em verão. No inverno a cidade até continua no mesmo lugar, sim, mas me é difícil imaginar como seria o seu clima – talvez seja preciso que eu pague para ver.

E quando digo clima, quero dizer a vibe – durante os dois dias em que estive no balneário, o calor deixou a desejar, mas isso não quer dizer que o verão não se fez presente: ele estava em cada pessoa com quem encontrei. Nos cabelos molhados pelo mar não muito verde e certamente não muito quente. Nos shorts que compunham um look no melhor estilo despojado que só as cidades litorâneas permitem. Nas pranchas de surf embaixo dos braços. Não importava se eu, uma turista acostumada com temperaturas altíssimas, vestia casaco – o verão estava ali.

Entrei no ônibus que me levaria para o mais perto possível do hostel e observar o estilo de cada pessoa que entra ou sai é inevitável. Não varia muito – todas são muito jovens, algumas inclusive mais jovens que eu, na época no alto dos meus vinte e um anos. Todas com cabelos grandes, desleixados, bronzeados. Fiz esse caminho da rodoviária ao ponto mais próximo do hostel inúmeras vezes naqueles dois dias e pude concluir que esse é mesmo o padrão da cidade.

Andar pelas esquinas de Punta del Este é um exercício interessante. O contraste entre o luxo e o simples é algo a se observar porque está em quase todos os lugares. Sair sem rumo pelo centrinho repleto de lojas, a maioria delas de lembranças da cidade, até enfim chegar ao famoso farol é uma das coisas mais agradáveis a se fazer – e terminar a longa caminhada sentindo a brisa do mar só tornou tudo melhor. Era verão, mas os pelos arrepiados dos meus braços contestavam a todo momento esse fato.

Já em um ônibus rumo à Punta Ballena, sento sozinha em um lugar à janela e folheio o livro recém adquirido que repousa em meu colo. A ironia do título, onde se lia Dulce Perdón, me faz refletir um pouco. “Perdonar es liberar a un prisionero y descubrir que el prisionero eras tú.” – a frase de Lewis B. Smedes está estampada logo nas primeiras páginas, e eu penso que não poderia mesmo ter escolhido outro exemplar para levar para casa.

O caminho à pé da estrada principal até a Casapueblo é longo e cansativo, e vi esgotar todas as minhas forças quando enfim cheguei ao destino – as físicas e as psicológicas. Antes de entrar, olho adiante para as águas lá embaixo. Estão revoltas e o dia, nublado – exatamente como aqui dentro. Tento sem muito sucesso fazer o ar chegar aos pulmões e, encostada em um dos inúmeros veículos estacionados por ali, deixo que as lágrimas rolem pelo meu rosto.

Os turistas vêm e vão e os carros não param de chegar. Consigo ouvir um deles falar para alguém ao lado: “La niña está llorando…” em um tom de voz que demonstrava seu lamento. Choro mais um pouco, porque a tristeza é real. Em seguida, ando para mais perto da entrada do museu até que meus pés chegam ao limite e ali, na frente de todas as pessoas, tiro os sapatos e respiro fundo. Sangue – descubro que estou sangrando e tudo parece uma bagunça.

Sentada numa calçada ao lado da Casapueblo, com lágrimas nos olhos e sangue nos pés, eu percebo o quão aleatória e irônica é a vida. Estou em um dos principais pontos turísticos do Uruguai, um país incrível, mas em circunstâncias extremamente infelizes.

Mas já estou ali – e decido não desperdiçar o momento. Reúno toda a coragem que consigo e sigo adiante. 320 pesos uruguaios depois e estou dentro – estou na Casapueblo, a casa de verão de Carlos Páez Vilaró. Poderia ser a Grécia, com sua arquitetura imponente e as cores em branco e azul, mas é o Uruguai. Estar ali é incrível e um privilégio. É viver a América do Sul.

Lá do alto do museu, ao contemplar mais uma vez as águas azuis acinzentadas que batem nas pedras vários metros abaixo de mim, me permito um momento de paz.

Por um instante, lembro-me da frase que li algumas horas antes, no ônibus que me levou até ali – perdoar é liberar um prisioneiro e descobrir que o prisioneiro era você – e penso que nada poderia ser mais verdadeiro.

Por um instante, finalmente é verão aqui dentro.

Punta del Este, Uruguay

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jennifer maccieira

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jennifer

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