primeiro eu tive que morrer

Um livro sobre renascimento. Sobre chegar ao limite e perceber que é preciso dar um passo para trás para poder seguir adiante. É mais ou menos essa a premissa de Primeiro eu tive que morrer, de Lorena Portela. Inicialmente, tudo me encantou nesse livro – a começar pela belíssima capa, mas não só isso. O título, a sinopse, a atmosfera. A ideia de morrer para renascer.

O começo é bem promissor, com o questionamento “quanto tempo se leva para morrer?”, que me deixou bem intrigada — mas o desenvolvimento da história me decepcionou. Em meio a divagações da protagonista, que são muitas vezes até interessantes, se perdem alguns diálogos superficiais e que não me pareceram muito naturais. Eu tentava imaginá-los acontecendo na vida real, mas não conseguia. Diálogos são um ponto delicado em qualquer narrativa, porque, especialmente em uma história contada em primeira pessoa, é através deles que vamos conhecer a voz dos demais personagens.

Sei por experiência própria o quão difícil é escrever diálogos porque também me aventuro na escrita, e fico até meio receosa de estar aqui emitindo uma opinião negativa sobre os diálogos de Primeiro eu tive que morrer, mas quem está falando agora é a Jennifer leitora, não a escritora. Me parece que faltou um pouco de calma na concepção desse livro. Ele tem aproximadamente 140 páginas e a impressão que tive é que esse número poderia facilmente ser o dobro.

Senti falta de mais profundidade na Gloria. O que sabemos de Amalia se dá única e exclusivamente através da visão nada confiável da protagonista. Guida foi a única que me deixou levemente satisfeita quanto ao desenvolvimento. Logo no início, é destacado que o livro é uma história sobre essas mulheres. Mas quem, afinal, são essas mulheres? Fiquei frustrada com a falta de respostas.

Um ponto interessante é o fato da protagonista não ter seu nome revelado em momento algum da narrativa. Acho que a intenção da autora com isso era exatamente passar a ideia de que ela poderia ser qualquer mulher. De que ela poderia ser eu e você, e de fato poderia, porque que mulher nunca passou pelo que ela passa? Que mulher nunca se sentiu inferior apenas por ser mulher? Que mulher nunca sentiu que não merecia a felicidade porque a sociedade a fez acreditar que não merecia coisas boas? É triste e é doloroso constatar isso. É triste e é doloroso porque é a realidade.

Dito tudo isso, achei que a leitura de Primeiro eu tive que morrer foi, sim, uma leitura válida. Por levantar todas essas questões citadas acima e despertar uma vontade de ser mais. Ser melhor. Só nós mesmas podemos construir a nossa melhor versão.

Outro ponto interessante e que me fez subir a nota de três para três estrelas e meia: a consciência de que o amor, sozinho, nada resolve. Gostei de ver como a Gloria e a protagonista se comportam quanto a isso no final.

A ambientação do livro ser em Jeri, no Ceará, foi um dos motivos que me fizeram querer lê-lo, além da sinopse que é bem convidativa, mas também me frustrei um pouco com isso. Acho que a culpa está nas minhas altas expectativas e mesmo sabendo que não devemos esperar demais das coisas — qualquer coisa — não consegui evitar. Talvez por isso a minha experiência não tenha sido tão boa. Mas alguns quotes me conquistaram e é com eles que vou encerrar esse texto, que não é bem uma resenha, mas é quase. Eu diria que é mais um texto-desabafo, e pretendo continuar com eles sempre que algum livro despertar muitas emoções.

Afinal, mesmo com todas as ressalvas que citei, não há como negar que Primeiro eu tive que morrer é um livro que nos desperta, sim, muitas emoções e que nos faz questionar toda a forma como estamos levando a nossa vida. Será mesmo que precisamos morrer em vida para poder renascer? E como se dão essas mortes? São lentas, dolorosas — ou de uma hora para outra, como um band-aid que se arranca de supetão?

As respostas para essas perguntas, infelizmente, não encontramos nas páginas de um livro.

“O contorno daquele corpo onde morava aquela mulher que atravessou o mundo para estar ali comigo, depois de alguns anos do nosso primeiro encontro. Quanta coragem existe em alguém tão pronta para o amor?”

“A Gloria, que não poderia ter outro nome. Essa mulher tão grande, que não cabia no seu próprio corpo e que quase não cabia no mar.”

país: brasil

3,5/5

lido em 05 de fevereiro de 2022

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jennifer maccieira

escrito por

jennifer

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