Em um dia desses, passeando pelo blog da Luísa, o Janelas Abertas, me deparei com um post listando alguns livros que falam sobre viagens. Logo um deles me chamou a atenção — a história de uma publicitária viajando solo pelo Peru e levando na bagagem um passado de desconexão consigo mesma. O tempo passou, a vida aconteceu e enfim me vi com o livro em mãos.
Logo após virar a última página, percebi que muito mais do que o clichê do viajar pra se encontrar, Ruína y leveza traz um mergulho nos próprios sentimentos frente ao desconhecido. Seja na cidade onde nasceu, seja numa pequena vila na amazônia peruana, o sentimento de se sentir estrangeira de si é o que move Sara em sua jornada durante as páginas desse livro.
Não vou conseguir descrever aqui o quanto me identifiquei com ela, ao mesmo tempo em que tenho muita consciência das nossas inúmeras diferenças — a literatura tem dessas. E que bom que tem. A sensação de ser tão pequena em um mundo tão imenso, tão diverso, tão difícil. Não é uma sensação individual — no entanto não são todos aqueles que têm a oportunidade de vivenciar isso na pele. E não falo apenas do ir a outro país; são poucos aqueles que têm a coragem necessária de olhar para o lado, para o outro, para além do próprio mundo e da própria bolha.
Em Ruína y leveza, Sara representa a parcela corajosa e é através de suas experiências que ela se vê. Se enxerga. Se percebe. A jornada de mulheres se percebendo enquanto pessoa nesse mundo é algo bonito de se ver. Se perceber enquanto pessoa nesse mundo — taí algo que parece simples, mas só parece. Se perceber imensa, diversa e difícil também, por quê não? Mais do que viajar sozinha, Sara se percebe. E esse, sim, é seu maior ato de coragem.
O livro começa com um acontecimento bem impactante e depois vai voltando aos poucos no tempo. Esse modo de contar histórias sempre me cativa; é quase como ir desvendando um mistério, e eu sempre gostei de desvendar mistérios. Logo no início do livro também conhecemos Lucho, um andarilho argentino e parte importante da jornada de Sara em terras latino-americanas.
Não gostei dele de início, mas assim como quase tudo na vida a primeira impressão não é a que fica. Aos poucos e bem sutilmente vamos percebendo as suas camadas e a sua relação com Sara vai ganhando forma — e força. No fim, me vi extremamente apegada aos dois.
Ruína y Leveza é um livro simples, mas que carrega certa profundidade. A relação da protagonista consigo mesma, a sua falta de clareza sobre quem é e sobre quem quer ser, a construção da sua percepção de mundo: tudo isso me conquistou. Não por acaso agora ele faz parte da minha tão amada lista de favoritos — e o melhor de tudo é que é uma obra nacional.
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“Não me importava muito quais coisas me aconteceriam, desde que coisas me acontecessem.”
“Me dei conta de que eu não vivia mais na minha mente, nem nas formas do meu corpo (estava mais magra porque não tinha apetite, mais pálida porque nunca mais houve fins de semana no parque, mais etérea porque pouco em mim seguia concreto). Eu não estava mais nos meus sapatos, nos meus objetos, no cheiro das minhas roupas, nas palmilhas dos tênis ou nos dedos das luvas. Eu não me reconhecia ali, nem em lugar algum. Só no passado eu parecia fazer sentido.”
“(…) é mais fácil amar em segredo do que assumir que se ama.”
“Às vezes eu acho que você se esforça tanto para ser diferente, diferente de quem você é e diferente do que os outros são, que você acaba perdendo o lugar no mundo.”
“Porque a loucura é aceitável em baixos níveis. Aceita-se que as pessoas às vezes entrem em crises existenciais. Aceita-se que em um dia quente de chuva, uma pequena parcela do total de habitantes de uma cidade decida molhar-se, como diversão, em um ato de alegria. Aceita-se que apaixonados cometam eventuais descuidos da conduta padrão. Mas todos devem ser breves. Os inquietos de alma devem se ajustar, a chuva deve passar e a paixão se extinguir.”
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lido em 03 de junho de 2022
5/5
país: brasil