à espera do tempo dizer

Tenho vivido em suspenso. Difícil é viver um tempo em que os dias passam devagar e parecem todos os mesmos, todos iguais, o que é uma meia verdade uma vez que eu acordo toda manhã sendo uma versão diferente do que fui ontem e perceber esse fato não o torna mais fácil.

Não o torna mais fácil porque existir em essência me é algo tão natural que muitas vezes levanta inúmeros questionamentos. Não sei ser outra pessoa, não sei sentir de outra forma. A dificuldade em aceitar que aquela que eu sou não poderia jamais existir sem aquela que eu já fui se transforma em uma relação complicada, essa que eu tenho comigo mesma. Mas, veja bem, é numa tentativa de descomplicar e me entender que eu escrevo.

Eu escrevo porque não consigo imaginar um mundo sem o sentimento contido nas palavras. Algumas pessoas medem o tempo em horas – eu meço o meu tempo em palavras. Eu resumiria da seguinte forma: palavras são sentimentos. E onde há sentimento, há vida. Viver é sentir.

E eu preciso escrever para entender o que vivi. Preciso escrever para entender o que senti. Eu escrevo porque existe um mundo inteiro aqui dentro que eu não consigo externar para as outras pessoas. Talvez eu deva então tentar externá-lo para mim, em primeiro lugar. Então eu escrevo.

É por isso que sinto que tenho vivido em suspenso. Sim, em suspenso. O mundo está acontecendo e eu estou sentada à janela apenas ali, de passagem. Eu estou sentada à janela com um bilhete só de ida – e completamente no escuro quanto ao destino final.

Recentemente descobri uma música do Cícero que diz “andava leve / e a vida me aconteceu / não tem onde agarrar / chão também é ar” e ao ouvir a sensação foi de pertencer.

Pertencer à poesia das palavras que traduzem o que é estar por aí a procurar um sentido dando um passo após o outro tentando sempre buscar o norte que nos direciona ao próximo momento presente. Já falei sobre ele por aqui e que complicado que é entender e aceitar esse acúmulo de momentos que em um segundo se tornam passado e nos deixam de mãos atadas sem querer dar o próximo passo porque não sabemos onde podemos cair. Iremos cair? Chão também é ar, sabe como é.

Então eu tenho vivido em suspenso, sim, em suspenso, porque estar sentada à janela sem saber o destino final é o retrato de um ano que se passou sem que eu pudesse ao menos ter a sensação de que participei ativamente de cada dia – o que é uma ironia porque participar ativamente dos meus próprios dias é algo que não faço muito antes de uma pandemia ser a realidade do mundo lá fora.

O mundo lá fora. Esse mistério em torno de uma frase que me fascina e me amedronta e que não sei o que acontece, me faz querer continuar. O motivo só o tempo poderá dizer, é como cantou o Cícero, e sabe, quem sou eu para discordar. Ando sempre com medo, muito medo do que pode acontecer sem que ainda tenha acontecido e é por isso que sigo, então, sentada à janela torcendo para que esse sentimento seja apenas o que se é e não se transforme naquilo que eu o projeto para ser.

Há uma linha tênue entre o medo e a realidade e com apenas vinte e três anos eu já vivi o suficiente para vê-la ser ultrapassada e talvez seja por isso que agora eu tenha que escrever. Escrever para medir o tempo em palavras e saber que não há limites que possamos ter quando colocamos sentimento naquilo que dizemos – ou escrevemos, porque eu nunca fui muito boa em dizer qualquer coisa, coisa banal ou coisa importante ou seja lá a coisa que for.

Sempre vivi dentro dos limites que impus a mim mesma e não vamos entrar no mérito dos limites impostos pela vida que acontece lá fora, porque veja bem, não estou escrevendo para ela. Estou escrevendo para mim – e para quem quer que caia de paraquedas nesse post de blog. Mas saibamos apenas que também já tive limites impostos pela vida e talvez seja por isso que agora eu tenha que escrever. Escrever para medir o tempo em palavras e entender finalmente o ganho que é poder sentir qualquer coisa, coisa banal ou coisa importante ou seja lá a coisa que for.

Entender finalmente que viver não é um ato secundário e que por ora tenho vivido em suspenso, sim, em suspenso, mas que desperdício seria estar sentada à janela de um mundo como o nosso e não parar para apreciar a vista.

Apreciemos a vista, então.

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jennifer maccieira

escrito por

jennifer

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