Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. Livro que já começa a impactar pelo título, que mais parece uma poesia, uma sina, o avisar de uma tragédia. Uma paixão, uma intensidade. Algo belo e algo triste. Foi exatamente assim que me senti ao virar a última página: impactada.
“Alguns amores levam à ruína. Eu soube disso desde a primeira vez em que Lavínia entrou na minha casa.”
Marçal Aquino traz uma história ambientada do interior do Pará, onde o narrador é o fotógrafo Cauby, que veio de São Paulo para passar um tempo explorando a região. Ele logo encontra Lavínia, uma mulher tão bela quanto misteriosa – uma mulher que vai mudar completamente o rumo da sua vida.
Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios é o tipo de livro que mostra o amor em sua essência. O amor cru e intenso. O amor firme, verdadeiro, mas também imprevisível. Cauby e Lavínia se envolvem de uma forma natural, o desejo que logo vira ternura e logo se transforma em algo maior, algo que definitivamente nenhum deles jamais esperou.
A história é narrada em flashbacks. O Cauby do presente, que ainda sofre as consequências de suas escolhas, nos ambienta em relação à ordem cronológica dos infortúnios que marcaram sua vida e a todo momento solta nuances que nos fazem confabular sobre o que pode de fato ter acontecido. Isso é o que nos mantém presos à história, que algumas vezes perde um pouco do ritmo por estar muito intrincada ao passado. Nossas expectativas estão no presente e queremos logo descobrir os caminhos que o levaram até ali. Ou o caminho: Lavínia. Queremos descobrir o que tem essa mulher, quem ela é, por que ela é capaz de despertar sentimentos tão profundos. Quem é Lavínia?
Lavínia foi a ruína particular de Cauby – logo vamos compreendendo o quote que afirma isso, ainda no início do livro. Ela convive com seus próprios demônios e praticamente o suga para dentro de seu caos sem ter qualquer intenção disso, sem que possa ao menos perceber. Ela é uma mulher absolutamente incompreensível: recatada, impulsiva, doce, vulgar. Todas em apenas uma. Quantas de nós não somos assim para conseguir sobreviver? Quantas de nós não fugimos um pouco de nós mesmas quando a realidade nos exige demais? Eu acredito que existe um pouco de Lavínia em cada mulher que coloca as mãos nessa história. E em cada uma que não coloca também.
A mujeres como yo no las conoces; las contraes.
Essa frase está exposta nas primeiras páginas da obra e resume bem a sua essência. Cauby contraiu Lavínia e agora vive os efeitos colaterais dessa “doença”. E tudo bem – se esse é o preço a pagar, ele está plenamente disposto. E é isso o mais incrível de Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. A entrega.
“Não me canso. Recito em voz alta: Lavínia. É música na minha boca. Minha canção e meu estandarte. Meu poema sujo de sangue. E meu apelo para que volte.”
É incrível, é bonito e é triste. Eu amei esse livro de tantas formas que estou caindo em repetição ao tentar falar sobre ele, mas é isto: ele é incrível. A forma como tudo se encaixa e como são colocados os sentimentos finais me fez respirar fundo e ficar meia hora olhando para a parede pensando na intensidade de tudo o que eu tinha acabado de ler. É um livro que faz sentir.
Por inúmeras vezes me vi na Lavínia. E por mais assustador que isso possa parecer em alguns momentos, é natural. É natural porque ela é uma mulher que foi muito maltratada pela vida e que luta para se manter sã, para se manter limpa e fiel a si mesma. Pareceu familiar? Porque é. E é porque esse é um resumo da vida de muitas mulheres na nossa sociedade. Mulheres que querem desesperadamente se manter sãs enquanto a vida em nada colabora para isso.
Por uma perspectiva, Cauby também pode ter sido a ruína da Lavínia – mas é também a sua salvação. Entendem quão complexa se torna essa relação? E o quanto ela pode nos fazer refletir? Repito: é algo que nos faz sentir.
Quando o título do livro já é uma poesia não dá para esperar menos da sua história.
Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios só tem um defeito: o preço é um pouco salgado. Mas eu não hesito em dizer que vale a pena cada centavo, especialmente por ser uma obra nacional.