É dezembro. Tem chovido esses dias, e o cheiro de terra molhada me faz lembrar de renovações, não sei bem o motivo.
Sempre amei o Natal. Acho tudo muito bonito e acolhedor: as luzes, confraternizar com quem a gente ama, a esperança em um ano que está aí novinho e pronto pra chegar. Esse ano, porém, tudo está estranho. As luzes de natal brilham um pouco menos e eu não sei muito bem o que sentir.
Ou melhor, eu sei, sim. Os dias amanhecem sem cor e já não sei mais qual guerra escolher lutar. Aqui dentro, são muitas. E tenho certeza de que não sou capaz de vencê-las todas. Os dias amanhecem sem cor.
Então eu preciso relembrar onde encontrá-las e ir colorindo, aos poucos. Devagar. Sem pressa. Se tem uma coisa que 2020 me ensinou, foi que absolutamente nada acontece no tempo que eu quero. As coisas acontecem quando elas devem acontecer. É fácil aceitar isso? Não.
Os meses passaram correndo e eu não sei em que esquina me perdi. Só que isso é uma mentira: cada dia vivido foi também uma batalha vencida por aqui e batalhas quase nunca são vencidas rapidamente. Para quem assiste de fora, talvez. E só.
Novembro chegou e foi embora, e nada de muito relevante aconteceu. Tenho lido alguns livros e ouvido muitas músicas, mas isso é tudo. Veio dezembro e com ele a realidade que não gostaríamos de enfrentar. Em meio a tantas notícias sobre possíveis vacinas, minha irmã testou positivo para Covid-19. A angústia causada por essa notícia é algo que eu não desejo pra ninguém.
Quero que os dias passem. Sobretudo nesse momento, eu preciso que os dias passem. Porque só o tempo será capaz de me trazer a cura de que preciso — ao mesmo tempo em que a sensação é de andar em círculos e num looping eterno sem que nada se ajeite. Já são nove meses de incertezas e medos, nove meses em que o mundo lá fora é um perigo iminente. Nove meses em que o simples fato de ficar em casa significa salvar vidas.
Apesar de tudo, confesso que mesmo depois de levar esse baque nos primeiros dias do mês, o sentimento que prevalece ainda é o de esperança. Esperança de que a Jess vai ficar boa logo. Esperança de que alguma vacina saia em breve.
Esperança de que eu não mais serei obrigada a viver apenas no mundo aqui dentro.
Porque esse mundo, esse mundo de dentro, muitas vezes é cruel. E viver nele muitas vezes é doloroso. É por isso que eu tenho lido livros. E ouvido músicas. A arte salva — é como eu li um dia desses por aí.
Em novembro li meu primeiro Clarice. O livro em questão foi Perto do coração selvagem, e ainda vou escrever sobre ele por aqui. Uma citação em especial me faz querer fechar os olhos e apenas respirar lentamente enquanto a repasso em minha cabeça. Clarice via longe. Ela escreveu o que muitas de nós nunca sequer notamos que estava aqui dentro. Mas estava.
“Estou cansada, agora agudamente! Vamos chorar juntos, baixinho. Por ter sofrido e continuar tão docemente.”
Continuar tão docemente. Sim, Clarice via longe.
Como eu disse, também tenho ouvido músicas. E cada dia que passa é uma saudade a mais lá no fundo do peito. Saudade de poder sair por aí e explorar o mundo. Sair por aí e sentir o vento no rosto sabendo que sim, eu estou viva. Continuar tão docemente.
Para essa sensação Perota Chingo é o remédio, um daqueles que precisamos dosar bem, caso contrário o vício é certo. Mas coisa boa é o fato de que remédio em forma de melodia em nenhum caso faz mal. O excesso é, na verdade, até bem recomendado. A suavidade das músicas dessa banda argentina me traz a certeza de que o mundo é um lugar bonito. E me traz saudades do mar.
Por ora isso é tudo, aqui fica o registro de alguns tempos em que a incerteza é quem comanda, mas a esperança está logo ali à espreita. Esperando o tempo das coisas. E o da cura. Os dias amanhecem sem cor, mas sabe que eu sempre gostei de verde?
E é como dizem, a esperança tem cor verde. E eu fico por aqui, torcendo pelo dia do reencontro. O reencontro com o mundo lá fora. Sim, sempre ele.
Oh, mamãe… Eu quero ver… o mar