outono

Chove. Chove muito, com uma intensidade tão grande que cada gota que cai reverbera no peito. Chove lá fora como há muito tempo chove aqui dentro. O outono chegou e trouxe com ele uma tempestade já não tão desconhecida.

É estranha a sensação de gostar de tempestades. Parece que as tempestades internas se tornaram tão comuns que as externas me trazem uma sensação indiscutível de familiaridade. Gostar do que a maioria não gosta talvez seja culpa do meu signo, diriam os astrólogos. Mas talvez assumir isso seja apenas a consciência de que preciso deixar para trás uma vida inteira tentando desesperadamente ser normal. 

Os dias passam sem que eu perceba. Respiro em uns, vivo em outros, e nada consegue diminuir a velocidade implacável do tempo. Algumas coisas acontecendo — umas boas, outras nem tanto — e a sensação é a de que nada é feito para durar. 

Talvez seja esse o principal ensinamento do outono: a vida é feita de ciclos. As folhas caem apenas para nascerem novamente algum tempo depois. É bonito, mas também é triste. 

Resisto o máximo que posso. Tento aproveitar a chuva, as temperaturas levemente mais amenas, o cheiro de terra molhada. Queria conseguir congelar o tempo para sentir que estou aproveitando os momentos que me são dados e não apenas os perdendo sucessivamente.

Um segundo que passa é um segundo perdido. Talvez seja essa a sensação da infelicidade: perder. Sinto que perco, perco tudo, o tempo todo — momentos, pessoas. 

Sinto que perco. Olho pela janela e vejo a chuva cair — tão forte, tão forte. O casaco fino me aquece o suficiente para esse dia médio de outono alagoano em que agora escrevo. Chove hoje assim como naquele 20 de março que anunciou a estação. E que mudou um pouco o rumo da minha vida para esse ano. 

O espelho me mostra que meu cabelo cresceu levemente. Agora bate nos ombros e lembra que o tempo está passando. E chove. Me preocupo com a intensidade da chuva e torço para que não alague o quarto. Me preocupar. Está aí algo que sei fazer muito bem. 

Abaixo os olhos e apuro os ouvidos: ao menos hoje não há trovoadas. No entanto, amanhã é outro dia. 

E chove. 

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jennifer maccieira

escrito por

jennifer

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